terça-feira, 12 de janeiro de 2010

sexta-feira, 8 de janeiro de 2010

VAZIO TEMPORAL II

Já antes me debrucei sobre o vazio temporal em que o país se encontra, na espécie de neblina espessa em que nos encontramos e que, sei agora tratar-se sim de um total congelamento ideológico em que mergulhamos inadvertidamente. Não são precisos mais do que dois dedos de testa para perceber que o Português contemporâneo não tem capacidade de se afirmar perante as dificuldadeS. Dia sim, dia sim, o que mais se vê nos noticiários são casos de total passividade perante os problemas em que a crise económica mundial nos afoga, país já com água pelas barbas; foi vir a crise com um mão pesada sobre as nossas frágeis cabeças e lá nos afogamos num imenso mar (que por sinal já foi a nossa salvação).
Num dos muitos noticiários diários de uma conhecida estação de TV era reportada a assistência que uma entidade pública dava aos desempregados sem abrigo da região. Quando a um dos entrevistados se perguntava o que se poderia fazer para ajudar na sua situação, este respondeu que apenas queria um vaga num emprego da sua «arte», ou seja, caí-se-lhe aos pés uma alma caridosa que desse de mão beijada um emprego naquela “arte” que sabe deus qual é, e lá “sua excelência” se dedicaria de corpo e alma à renovação da sua vida, uma vez que, e segundo o autor desta pérola (sendo a pérola a própria situação relatada), ainda tinha braços para poder trabalhar.
Basta este exemplo para que se perceba claramente que realidade é esta em que estamos. Consideraria dois factores como explicativos para esta realidade: 1) o factor histórico deste último meio século em que vivemos numa ditadura que nada mais fez que não fosse “matar-nos” enquanto povo, sempre sob o aval da santa madre igreja que, benza-a-deus, estava aqui para levar as pobres alminhas para o céu. O resultado disto é, obviamente, a morte intelectual do Português. Este deixou de “pensar por si” pois foi ensinado que, “coitadinho não era nada” e mais vale viver na pobreza e humildade do que na luxúria e exacerbação da vida. Mas não foi só a santa madre igreja que contribui para esta realidade. Como se não bastasse já esta “formatação” imposta pelo clero, o próprio poder político fechou-nos a mente de tal forma que era capaz de nos entreter com a doutrina do futebol, esse magnífico exemplo «dos espectáculos imaginários» que nos faziam, e fazem sonhar, espelho maior das «grandes competições desportivas que nos permitem comungar nas aventuras» desses ases da bola. Essa necessidade de diversão que se gerou em nós, essa necessidade de evasão da realidade, contribuiu para que sonhássemos com o Eusébio e companhia (perdoe-me o Eusébio por o meter ao barulho, mas coitado, não terá também ele sido instrumento ao serviço do poder?). Nasceu então em nós um sonho, ser futebolista (sim, futebolista, porque não tínhamos capacidade para mais) e foi um tal ganhar prémios de melhor jogador do mundo. Será que só sabemos dar toques na bola?; 2) Com a perna que se quebra da cadeira do senhor professor Oliveira de Salazar , cai a ditadura e nasce uma nova esperança que se viria a revelar ser sol de pouca dura. O dia dos cravos que, segundo dizem, foi o mais belo dia da vida, não foi devidamente aguado (como quem dá agua às plantas) e desta forma nestes recentes anos, lá morreram os pobres dos cravos que deveriam ser para as recentes gerações, o exemplo de que podemos e conseguimos sempre algo mais, desde que queiramos.
Instalou-se, de uma forma relativamente natural o capitalismo exacerbado e não é de admirar que tal tenha acontecido, uma vez que antes não tínhamos nada e agora passamos a ter tudo. Em pouco tempo passamos de não ter onde cair mortos para passarmos a ter a maior casa e o maior carro da vizinhança. Quer isto dizer que passamos do oito ao oitenta sem que se parasse um pouco para pensar se seria esta a melhor solução. Em pouco tempo a sociedade evoluiu como se na realidade fosse altamente evoluída ideologicamente. Nada mais errado. A realidade é que as velhas tradições e mentalidades lá continuaram. Continuamos a adorar o futebol depois da missa de domingo, gazetear à escola continuou (ou passou a ser) uma doutrina e, mais recentemente, até se criaram “verdadeiros templos comerciais” às portas dessas mesmas escolas que passaram a ser “carne para canhão” de uns senhores que lá começaram a engordar às nossas custas, tudo isto com o aval do estado. A bem ver, não se poderia esperar outra evolução, uma vez que com a adesão à União Europeia em 1986 lá iríamos passar a receber o tão abençoado dinheirinho que nos ia salvar do afogamento em que estávamos a viver.
Teoricamente até se apostou na inovação educacional e ideológica das populações. Apostou-se na educação pois o discurso assim o aconselhava, mas a verdade é que foram os interesses desses senhores “já gordos de tanto comer” que prevaleceu e continua a prevalecer.
O resultado disto tudo não poderia ser muito diferente daquele espelhado no discurso do pobre desempregado anteriormente mencionado, uma vez que ainda não se cumpriu na totalidade a aposta na educação, dado que toda a evolução é, e deve ser lenta. Então como se muda a realidade em que estamos? Como saímos deste afogamento?
Antes de mais há que salientar que o facto de mantermos as nossas tradições e paixões futebolísticas, aliadas à “nova doutrina” (ou nova “droga” social) que é o capitalismo, instaurou-se em nós uma incapacidade de mudar a nossa realidade. Nasce em nós a noção de des-responsabilidade. «A des-responsabilidade favorece o egocentrismo, o qual, na perda da responsabilidade e da solidariedade, conduz à des-moralidade (degradação do sentido moral). A des-responsabilidade e a des-moralidade favorecem a propagação da irresponsabilidade e da imoralidade», resultando na total passividade perante os problemas e total inadaptação à mudança e, acima de tudo, uma total avidez de consumo. Espera-se que sejam os outros a resolver os nossos problemas, de preferência o governo e deus todo poderoso que lá do alto dos céus dita as nossas fortunas e desgraças. Olhamos para o quanto temos e não no quanto podemos contribuir para o bem estar geral. Não sabemos sair desta encruzilhada (ou não queremos?).
Por cumprir está ainda a mudança ideológica no verdadeiro sentido da palavra. Não quer isto dizer que se deva cortar radicalmente com a nossa realidade, apenas se deve implementar verdadeiramente uma vontade em mudar o cenário para melhor e só com a capacidade de nos unirmos em torno de um bem comum (tal qual fazemos quando os nossos heróis futebolistas partem numa demanda desportiva, quais heróis dos descobrimentos, ou até quando a veneradíssima imagem de Nossa Senhora de Fátima parte em auxílio de outros povos, facto que nos enche a todos de enorme orgulho) será então possível almejar outra realidade. O segredo está em ensinar às pessoas a capacidade de mudança e alta competitividade que nos é requerida. Para isso há que ensinar às populações a verem o desemprego, não como uma desgraça, mas sim como uma nova oportunidade. Cabe a cada um de nós contribuir para que o país possa remar num mesmo sentido, com um mesmo horizonte em mente.
Mas afinal onde estás D. Sebastião…!?

Miguel Teixeira de Andrade

VAZIO TEMPORAL I

Que lugar tem Portugal no mundo? Como se une um povo em volta de um bem comum? Estas questões têm me levado a pensar que até somos algo especiais, temos algo para oferecer ao mundo mas, infelizmente andamos meio perdidos, sem rumo e esse desnorte leva-nos a estar em constante desassossego ideológico.
Não sei se será pelo facto de estarmos num mundo em que interessa mais a velocidade das acções, a quantidade de capital que o ferimos, do que a qualidade destas mesmas acções, a simplicidade delas. Sinto que algures no tempo houve algo que nos fazia acreditar que as nossas capacidades serviam o bem comum, um tempo em que tudo era possível e que agora esse idealismo se perdeu por entre uma neblina espessa que nos circunda. Parece que estamos envoltos num manto gigante e dele não queremos sair porque temos medo de afirmar ao mundo o que somos. Esse tempo fantástico que vivemos é passado( sim eu sei), contudo sinto uma espécie de necessidade de voltar a ele, embora nunca o tenha vivido.
Não sei como se une um povo! Vejo-o amorfo e sem capacidade de resposta às constantes alterações mundiais. Quero acreditar nele, mas ao mesmo tempo sinto que ele sempre ficará impávido à mobilização. Talvez se explique este conformismo ao nosso contexto teológico, ou até mesmo ao contexto político que vivemos. Do ponto de vista teológico sempre estivemos ligados a uma noção religiosa em que, mais que colocar na prática os ensinamentos, soubemos sim, viver de tradições e esperar que o todo poderoso concedesse a graça divina de realizar as nossas mais singulares ambições e desejos. Talvez aí se explique o nosso período áureo. Soubemos ultrapassar barreiras e medos em torno de um bem comum, propagar a mensagem de união e igualdade entre povos. Será? Não teremos nós contribuído também para uma desunião? Não teremos começado as guerrilhas teológicas entre povos?
Estas questões levam-me ao contexto político que vivemos actualmente. Sabemos que o país viveu “preso de si” durante cinquenta longos anos. Fechou-se por completo do mundo em que vivia. Sob uma prática teolócico-social muito bem estruturada viveu de e pelas tradições, enquanto que lá fora o pensamento ideológico se desenvolvia vertiginosamente. Assistimos impávidos ao mais negro período da história mundial e nada soubemos fazer para colocar em prática estes mesmos ensinamentos teológicos que tanto apregoamos. Passados estes cinquenta anos abrimo-nos enfim o mundo. Mudamos (de forma radical porque a isso fomos obrigados) a nossa forma de agir, contudo não soubemos parar para pensar como iríamos abarcar esta nova realidade. Agora passados cerca de trinta e cinco anos desde o nosso re-desabrochar (talvez tenha aqui criado um nova palavra a adicionar ao nosso já longo léxico), sinto que esta impavidez se deve não só ao facto de ainda estarmos sob o efeito das “drogas teológicas” a que durante séculos fomos submetidos, mas também a esta espécie de nova religião na qual vivemos, o consumismo exacerbado.
Parece que queremos desintoxicarmo-nos conscientemente de uma droga e colocamo-nos, de uma forma inconsciente, sob o efeito de outra que nada mais tem feito que não seja cegar-nos. Parece que entramos numa espécie de buraco negro, numa espécie de vazio temporal, numa espécie de ideologia morta da qual não sabemos/queremos sair. Como se faz para unir um povo desunido? Como se guia um barco que parece estar á deriva? Haverá algum capitão que tenha a coragem de se impor às dificuldades e nos guie por correntes mais favoráveis? Existirá por aí algum D. Sebastião que saia da manhã submersa e nos leve ao caminho correcto?
Miguel Teixeira de Andrade